Prefácio

Mal é possível exagerar a importância do livro de Heloísa Estellita sobre o tema “Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão”, e isso pelo menos por três razões. O livro é importante pelo momento em que é publicado; por seu conteúdo e método; e, por fim, pelo papel que lhe incumbe na atual ciência do direito penal brasileiro.

O momento não poderia ser mais apropriado. O direito penal brasileiro vive uma salutar reorientação de suas prioridades. Ao lado do tradicional direito penal de aventureiros e miseráveis (Schunemann), de “sangue e esperma”, ganha espaço um direito penal que se importa também com ilícitos praticados por aqueles que historicamente gozavam de certa imunidade diante da persecução penal.

Num mundo em que boa parte das decisões de maior transcendência e, portanto, de maior potencial lesivo, são tomadas e executadas por grupos estruturados sob a forma de empresas, é urgente que essas decisões não tenham lugar em um vácuo de juridicidade. Porque uma ideia fundamental do liberalismo jurídico é a de que poder implica em responsabilidade, de modo que seria um contrassenso, uma capitulação do direito se, justamente onde há mais poder, houvesse menos responsabilidade.

O momento em que vivemos, com a crescente persecução de delitos econômicos, fiscais, de corrupção e ambientais, vive da correta convicção de que o direito penal tem de ocupar-se de mais do que aquilo que alguns autores de forma saudosa (e tendenciosa e historicamente inexata) denominaram de “direito penal clássico”.

O livro não foi apenas escrito na hora certa. Seu conteúdo e método merecem louvor. Ao invés de perder-se em divagações filosófico-sociológico-histórico-criminológicas sobre a natureza da omissão, Estellita concentra-se sobre os pressupostos específicos da responsabilidade penal omissiva, dos quais terá de cuidar também o aplicador do direito.

O que lhe interessa, principalmente, é determinar o conteúdo exato da posição de garantidor e dos deveres a ela correlatos, especificar quem, dentre os diferentes envolvidos em uma estrutura empresarial – desde o diretor de S.A. até os sócios de uma sociedade limitada -, tem obrigações penal. mente relevantes, e de que teor. Estellita se move, assim, num ponto de entrecruzamento entre direito penal e direito empresarial, especialmente direito societário, entre doutrina e jurisprudência, entre doutrina nacional e direito comparado, e analisa cada um desses envolvidos de forma cuidadosa e diferenciada.

O livro revela-se, assim, como valioso instrumento de consulta para todos os que se vejam confrontados com a temática, que nele encontrarão respostas concretas para os problemas que se colocam. Se essas respostas são de todo corretas, não cumpre discutir no presente prefácio; ainda assim, Estellita expõe os diferentes pontos de vista relativos a cada controvérsia com a clareza e a simplicidade que só são alcançáveis por aquele que realmente entendeu aquilo de que trata. O livro tem a generosidade de colocar o leitor na posição de discordar daquilo que é defendido; ele não foge à discussão; ele não tem medo de informar, mas muito menos de posicionar-se. Ele é um convite ao diálogo, convite esse que o leitor dificilmente conseguirá recusar.

Com o que chego ao terceiro aspecto, que diz respeito ao lugar que o livro ocupa no panorama científico do direito penal brasileiro. Falei, em alguns de meus outros prefácios, que uma “revolução silenciosa” está, nesse exato momento, a ocorrer na ciência do direito penal do Brasil. O presente livro assume, automatica-mente, seu lugar como um dos mais destacados representantes desse movimento, cujos traços essenciais se deixam descrever por uma série de características até então dificilmente encontradas em um único trabalho. Boa parte dessas características já foi descrita no parágrafo anterior, de modo que não preciso repetir-me.

Limito-me a relevar aquilo que me parece a ideia central: a de que a ciência deve contribuir para solucionar os problemas reais que o direito coloca para todos os que com ele lidam. A ciência não pode se ocupar apenas de si própria. O livro que o leitor tem em mãos serve, a meu ver, como modelo de como deve ser escrita uma investigação científica no direito penal: menos divagações, mais soluções.

Por fim, algumas palavras sobre a pessoa de Heloisa Estellita, minha grande amiga. À primeira vista, pareço ter falado apenas da obra e deixado a pessoa de lado. Ocorre que, aqui mais do que nunca, é válido o clichê de que pelos frutos se conhece a árvore, de que na obra se exterioriza a pessoa. Ao falar da obra, falei da pessoa: porque Heloisa Estellita, como sua obra, não foge ao diálogo.

Heloisa Estellita teria muito para permitir-se uma postura distante e assoberbada: ela é uma das figuras centrais do direito penal na Escola de Direito da Fundação Getálio Vargas de São Paulo; principalmente; ela é bolsista da prestigiosa

Fundação Alexander v. Humboldt. Mas sua escrita permanece despretensiosa quanto a propria autora; a generosidade com que ela descreve os debates e a simplicidade com que constrói seus argumentos nada mais são do que a própria Heloísa Estellita que tão bem conheço.

Enfim, quem conhece Heloísa Estellita, não se surpreende com o presente livro. Minha surpresa foi, sim, encontrá-lo a mim dedicado (surpresa, contudo, injustificada, uma vez que, como disse, a generosidade é uma das muitas virtudes de Heloisa Estellita), o que transforma a alegria de amigo e orientador que sinto ao ver esse livro publicado em um orgulho todo especial.

Berlim, 7 de outubro de 2017

Luís GRECO

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni é Advogado criminalista desde 1991, fundador do escritório Parentoni Advogados. Pós-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, especialista em Direito Penal e Processual Penal. Presidente por duas gestões do IBRADD - Instituto Brasileiro do Direito de Defesa. É professor, autor de livros jurídicos e profere palestras pelo país.