PREFÁCIO

Dentre as notas essenciais à conceituação de Estado de Direito, destaca-se o reconhecimento de que certos direitos dos cidadãos, indispensáveis à própria existência e ao desenvolvimento da personalidade humana, não podem ser ultrapassados no desempenho das funções estatais.

De nada valeriam tais direitos ou liberdades individuais se, ao lado de sua proclamação, o texto constitucional não previsse, também, correspondentes instrumentos para a proteção do indivíduo, que são as garantias contra a utilização do poder arbitrário; sem elas, estaria certamente comprometida a efetividade daqueles mesmos direitos e liberdades.

No direito moderno, desde a Magna Carta, de 1215, que assegurava o legal judgement como limite intransponível na relação entre o monarca e seus súditos, até a fórmula due process of law, da Emenda V à Constituição americana (1791), a maior e mais eficaz proteção do indivíduo é representada pelo processo justo – o fair trial-que os textos constitucionais e as cartas internacionais de direitos asseguram de forma destacada e irrestrita.

No Brasil, essas ideias foram amplamente consagradas pela Constituição de 1988, que no seu artigo 5° – e também em outras disposições – estabelece um amplo e coordenado leque de garantias processuais, que se completam e interpenetram, dando lugar a um sistema circular apto a assegurar, em níveis cada vez mais elevados, a proteção do indivíduo por meio do processo jurisdicional, notadamente quando se trata de impor uma sanção criminal.

É nesse quadro que se insere, como verdadeira regra de ouro de tal sistema, a previsão de um instrumento ágil, rápido, sem formalidades e acessível diretamente a qualquer cidadão, como é o habeas corpus. Inscrito em todos os nossos textos constitucionais republicanos- e só restringido pelo Ato Institucional n. 5, de 1969, o que é emblemático – o writ se presta a remediar, desde logo, quaisquer restrições e ameaças ao direito à liberdade de locomoção, o que enseja sua utilização, especialmente no processo criminal, para fazer prevalecer a legalidade da persecução, na ótica das garantias inerentes ao due process.

Daí a grande oportunidade do trabalho de Alberto Zacharias Toron, em boa hora publicado pela Editora Revista dos Tribunais, sobre o “Habeas corpus e o controle do devido processo legal”, justamente quando algumas vozes – poucas, na verdade – tentam introduzir restrições ao emprego desse instrumento fundamental à tutela da liberdade e de outros direitos do indivíduo, em nome de uma hipotética e discutível eficiência da Justiça penal.

Ao contrário, como bem evidencia o autor neste livro com expressivos exemplos, a utilização do habeas corpus para a tutela da liberdade de locomoção, que pode estar ameaçada desde os momentos iniciais da persecução, evita a perpetua. cão de ilegalidades, propiciando sejam elas sanadas com maior rapidez, tanto em lavor do paciente, réu na ação penal, como também para se evitar a ocorrência da prescrição, que – aí sim – comprometeria a atuação eficaz da justiça.

Advogado e professor, o autor consegue, com rara competência – bem sabida pelos que o conhecem – abordar o relevante tema com a paixão do criminalista, obstinadamente dedicado a fazer prevalecer os direitos de seus constituintes, sem deixar de lado a serena objetividade do acadêmico. Disso resulta um texto doutrinariamente profundo e, ao mesmo tempo, rico em informações advindas de uma profícua militância profissional.

O tratamento do tema é feito de forma didática e com frequente referência aos julgados dos nossos tribunais, especialmente os superiores, o que confere ao livro um notável valor para a prática da advocacia. Isso é muito evidente no capítulo VI, em que são abordadas as mais diversas situações em que a impetração do writ pode ser utilizada, com êxito, para reconhecer os mais frequentes vícios processuais, nas diversas fases da persecução.

Trata-se, sem dúvida, de obra que muito enriquece a nossa literatura proces-sual-penal. E com muita honra e satisfação que apresento este valioso trabalho ao público leitor, convencido da sua extraordinária relevância e certo do seu sucesso editorial.

São Paulo, janeiro de 2017.

Antonio Magalhães Gomes Filho

Professor Titular de Processo Penal da

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni é Advogado criminalista desde 1991, fundador do escritório Parentoni Advogados. Pós-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, especialista em Direito Penal e Processual Penal. Presidente por duas gestões do IBRADD - Instituto Brasileiro do Direito de Defesa. É professor, autor de livros jurídicos e profere palestras pelo país.