Por: Dr Igor Salmeirão, Advogado Tributarista

O Congresso Nacional aprovou o PL 2384/2023, conhecido como PL do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que, entre outras mudanças, trouxe de volta o voto de qualidade a esse órgão.

O voto de qualidade é um mecanismo procedimental de desempate de resultado proferido pelo órgão julgador. Isso ocorre porque o CARF é composto por número par de Conselheiros (oito conselheiros em cada Turma), sendo metade deles representantes do Fisco e a outra metade representantes dos Contribuintes.

Nesse sentido, no julgamento de qualquer caso é possível que haja empate no resultado e é em situações desse tipo que entra em ação o mecanismo do voto de qualidade.

Portanto, o voto de qualidade, previsto no art. 25, §9º, do Decreto nº 70.235, nada mais é do que a exigência de que, em caso de empate, o presidente do Colegiado julgador vote uma segunda vez. Ou seja, haverá um novo voto preferido pelo presidente de Turma, Câmara ou Sessão que desempatará o resultado para um ou para outro lado.

O segundo voto do Presidente não necessariamente tem que ser favorável à Fazenda. Nada o impede de decidir em favor do contribuinte. No entanto, o que se observa é uma esmagadora maioria de decisões pro Fisco em razão do voto de qualidade. O Jornal Valor Econômico já noticiou que “a União foi contemplada em 80% dos créditos tributários julgados com a aplicação do voto de qualidade pelo Conselho Administrativo Fiscal (Carf) entre 2017 e 2020”.

O voto de qualidade, extinto pelo Governo anterior, já havia retornado com a Medida Provisória nº 1.116 de 2023, e agora é convertido em Lei pelo PL 2384/2023. O PL trouxe uma nova sistemática para o voto de qualidade. Vejamos alguns dos pontos.

1) Retorna o voto de qualidade
O art. 1º do PL traz novamente a figura do voto de qualidade para o CARF.
Art. 10 Os resultados dos julgamentos no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), na hipótese de empate na votação, serão proclamados na forma do disposto no 90 do art. 25 do Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, nos termos desta Lei.

2) Não aplicação de multa nem repercussão penal
Sabemos que quando o contribuinte deixa de recolher o tributo no tempo determinado, haverá imposição de multa e encaminhamento, ao Ministério Público, de Representação Fiscal para Fins Penais, com a qual este órgão estará autorizado a dar início aos procedimentos de persecução penal por crime contra a ordem tributária.

Com a nova sistemática, ambas essas providências desaparecem no caso de julgamento favorável ao Fisco em razão do voto de qualidade. Isso vai ao encontro do princípio máximo do Direito Penal, e do Direito como um todo, do in dubio pro reo, ou, nesse caso, in dubio pro contribuinte.

90-A. Ficam excluídas as multas e cancelada a representação fiscal para os fins penais de que trata o art. 83 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, na hipótese de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no 90 deste artigo.

Um sistema que aplica penalidades (multa e a repercussão penal) a caso em que há dúvida sobre a higidez do crédito tributário, como na decisão pelo voto de qualidade, é um sistema que não respeita nem a Justiça nem a Verdade, ou, em termos jurídicos, o devido processo legal.

3) Exclusão dos juros de mora e possibilidade de parcelamento
Caso o julgamento do processo resulte em decisão favorável ao fisco em razão do voto de qualidade, ficam excluídos os juros de mora, bem como há a possibilidade de parcelamento do débito em até 12 vezes.

Art. 25-A. Na hipótese de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido definitivamente a favor da Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no §9º do art. 25 deste Decreto, e desde que haja a efetiva manifestação do contribuinte para pagamento no prazo de 90 (noventa) dias, serão excluídos, até a data do acordo para pagamento, os juros de mora de que trata o art. 13 da Lei no 9.065, de 20 de junho de 1995.

§1º O pagamento referido no caput deste artigo poderá ser realizado em até 12 (doze) parcelas, mensais e sucessivas, corrigidas nos termos do art. 13 da Lei no 9.065, de 20 de junho de 1995, e abrangerá o montante principal do crédito tributário.

É importante destacar que em caso de não manifestação pelo pagamento ou do não adimplemento de umas das parcelas, retornarão os juros.

§2º No caso de não pagamento nos termos do caput ou de inadimplemento de qualquer das parcelas previstas no §1º deste artigo, serão retomados os juros de mora de que trata o art. 13 da Lei no 9.065, de 20 de junho de 1995.
Ainda, nesses casos será admitida a compensação com créditos referentes a períodos de prejuízo fiscal anteriores, bem como o uso de precatórios, além de que o parcelamento não impede a emissão de certidão positiva com efeito de negativa (para todos os efeitos legais, o contribuinte não estará em débito com o Fisco).

§3º Para efeito do disposto no §1º deste artigo, admite-se a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de titularidade do sujeito passivo, de pessoa jurídica controladora ou controlada, de forma direta ou indireta, ou de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica, apurados e declarados à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, independentemente do ramo de atividade.

§4º O valor dos créditos a que se refere o §3º deste artigo será determinado, na forma da regulamentação:
I – por meio da aplicação das alíquotas do imposto de renda previstas no art. 3º da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, sobre o montante do prejuízo fiscal; e

II – por meio da aplicação das alíquotas da CSLL previstas no art. 3º da Lei no 7.689, de 15 de dezembro de 1988, sobre o montante da base de cálculo negativa da contribuição.

§5º A utilização dos créditos a que se refere o §3º deste artigo extingue os débitos sob condição resolutória de sua ulterior homologação.

§6º A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil dispõe do prazo de 5 (cinco) anos para a análise dos créditos utilizados na forma do §3º deste artigo.

§º7º O disposto no caput deste artigo aplica-se exclusivamente à parcela controvertida, resolvida pelo voto de qualidade previsto no §9º do art. 25 deste Decreto, no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.
§8º Se não houver opção pelo pagamento na forma deste artigo, os créditos definitivamente constituídos serão encaminhados para inscrição em dívida ativa da União em até 90 (noventa) dias e:
I – não incidirá o encargo de que trata o art. 1º do Decreto-Lei no 1.025, de 21 de outubro de 1969; e
II – será aplicado o disposto no §9º-A do art. 25 deste Decreto.

§9º No curso do prazo previsto no caput deste artigo, os créditos tributários objeto de negociação não serão óbice à emissão de certidão de regularidade fiscal, nos termos do art. 206 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional).

§10 O pagamento referido no §1º deste artigo compreende o uso de precatórios para amortização ou liquidação do remanescente, na forma do §11 do art. 100 da Constituição Federal.

4) Transação fiscal em processos já em fase judicial
O PL trouxe opção de que o crédito tributário inscrito em dívida ativa da União formado em razão do voto de qualidade, que agora esteja em discussão no Poder Judiciário seja objeto de proposta de acordo, de iniciativa do sujeito passivo. As condições e termos do acordo ainda devem ser regulamentadas pelo Procurador Geral da Fazenda Nacional. No entanto, a proposta deverá sempre observar a exclusão dos juros de mora, e ter em vista as condições particulares de cada contribuinte.

Art. 30 Os créditos inscritos em dívida ativa da União em discussão judicial que tiverem sido resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no §9º do art. 25 do Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, poderão ser objeto de proposta de acordo de transação tributária específica, de iniciativa do sujeito passivo.

Parágrafo único. O Procurador-Geral da Fazenda Nacional regulamentará o disposto neste artigo, inclusive para prever que a transação de que trata o caput conterá condições não menos favorecidas do que as ofertadas aos demais sujeitos passivos e considerará o prognóstico do risco judicial de cada processo, observadas as disposições do §9º-A do art. 25 e do art. 25-A do Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972.

5) Alterações no Processo Judicial de discussão do Crédito Tributário e na Execução Fiscal
Primeiramente, aos contribuintes que demonstrem capacidade econômica (que será auferida tendo como base o patrimônio líquido do sujeito passivo, conforme regulamentação) e que tenham tido regularidade fiscal nos últimos doze meses, fica dispensada a apresentação de garantia para discussão judicial do crédito tributário formado em razão do voto de qualidade.

Art. 4º Aos contribuintes com capacidade de pagamento, fica dispensada a apresentação de garantia para a discussão judicial dos créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no §9º do art. 25 do Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972.

§1º O disposto no caput deste artigo não se aplica aos contribuintes que, nos 12 (doze) meses que antecederam o ajuizamento da medida judicial que tenha por objeto o crédito, não tiveram certidão de regularidade fiscal válida por mais de 3 (três) meses, consecutivos ou não, expedida conjuntamente pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

§2º Para os fins do disposto no caput deste artigo, a capacidade de pagamento será aferida considerando-se o patrimônio líquido do sujeito passivo, desde que o contribuinte:
I – apresente relatório de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras, caso seja pessoa jurídica;
II – apresente relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito tributário, em caso de decisão desfavorável em primeira instância;
III – comunique à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a alienação ou a oneração dos bens de que trata o inciso II deste parágrafo e apresente outros bens livres e desimpedidos para fins de substituição daqueles, sob pena de propositura de medida cautelar fiscal; e
IV – não possua outros créditos para com a Fazenda Pública, presentes e futuros, em situação de exigibilidade.
Quanto aos demais casos resolvidos favoravelmente ao Fisco pelo voto de qualidade em que seja exigível a apresentação de garantia, esta não poderá ser executada até o trânsito em julgado da decisão favorável ao Fisco. Essa previsão vem em boa hora, eis que vinha se formando o costume de conceder essa antecipação de liquidação de garantia em favor da Fazenda. Agora isso não é mais possível em sede de discussão judicial do crédito tributário.

§3º Nos casos em que seja exigível a apresentação de garantia para a discussão judicial de créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no §9º do art. 25 do Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, não será admitida a execução da garantia até o trânsito em julgado da medida judicial, ressalvados os casos de alienação antecipada previstos na legislação.

Quanto a Execução Fiscal, o contribuinte que demonstre capacidade econômica de pagamento e regularidade fiscal nos últimos 12 meses, poderá fornecer garantia apenas do valor principal do débito, corrigido monetariamente (ficam de fora os juros e multas). Também não será admitida a antecipação de liquidação de garantia.

Art. 50 A Lei no 6.830, de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execução Fiscal), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 90 Em garantia da execução, o executado poderá:
§1º-A. O executado capaz de obter seguro-garantia ou fiança bancária de terceiros está autorizado a oferecer garantia, em qualquer modalidade, apenas do valor principal atualizado da dívida, que produz os mesmos efeitos da penhora da integralidade da execução, nos termos do art. 206 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional).
§1º-B. O disposto no §1º-A deste artigo não se aplica aos executados que, nos 12 (doze) meses que antecederam a sua citação na execução fiscal, não tiveram certidão de regularidade fiscal válida por mais de 3 (três) meses, consecutivos ou não.
§7º As garantias apresentadas na forma do inciso II (II – oferecer fiança bancária ou seguro garantia;) do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada.” (NR)
“Art. 39
Parágrafo único. Se vencida, a Fazenda Pública ressarcirá integralmente o valor devidamente atualizado das despesas incorridas pela parte contrária, inclusive com o oferecimento, a contratação e a manutenção de garantias.” (NR)
6) Limite de multa
Por fim, o PL traz, em seu art. 14, previsão que se conforma com o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a multa tributária que ultrapassa 100% do valor do tributo é inconstitucional por caracterizar-se como confisco.

Art. 14. Com fundamento no disposto no inciso IV do caput do art. 150 da Constituição Federal, referendado por decisões do Supremo Tribunal Federal, fica cancelado o montante da multa em autuação fiscal, inscrito ou não em dívida ativa da União, que exceda a 100% (cem por cento) do valor do crédito tributário apurado, mesmo que a multa esteja incluída em programas de refinanciamentos de dívidas, sobre as parcelas ainda a serem pagas que pelas referidas decisões judiciais sejam consideradas confisco ao contribuinte.

Assim, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional deverá cancelar esses valores que ultrapassem os 100%, ainda que já em sede de execução fiscal. Quando aqueles débitos que ultrapassem os 100% e que já foram pagos, poderão ser objeto de restituição, desde que não prescritos.

§1º A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional providenciará, de oficio, o imediato cancelamento da inscrição em dívida ativa de todo o montante de multa que exceda a 100% (cem por cento), independentemente de provocação do contribuinte, e ficará obrigada a comunicar o cancelamento nas execuções fiscais em andamento.

§2º O montante de multa que exceder a 100% (cem por cento) nas autuações fiscais, já pago total ou parcialmente pelo contribuinte, apenas poderá ser reavido, se não estiver precluso o prazo, mediante propositura de ação judicial, ao final da qual será determinado o valor apurado a ser ressarcido, que será liquidado por meio de precatório judicial ou compensado com tributos a serem pagos pelo contribuinte.

 

Luca Parentoni

Luca Parentoni

Advogado criminalista, sócio do escritório Parentoni Advogados. Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, participou da VII Escola Alemã de Ciências Criminais realizada pelo Centro de Estudos de Direito Penal e Processo Penal Latino-americano (CEDPAL) da Universidade Georg-August de Göttingen (Alemanha), especializando-se em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Portugal, é parecerista, responsável pela área consultiva de temas específicos do Direito Penal e Penal Econômico, atuante nos Tribunais Superiores. Membro do IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.