Atualmente com 233 859 prisioneiros amontoados em 167 207 vagas, o Brasil é dono de uma estatística que, embora não seja a pior do mundo, não deixa de ser triste: 1 em cada 730 cidadãos está preso. Há países com taxas de encarceramento maiores que a nossa, de 137 presos para cada 100 000 habitantes. São os casos da Polônia (160/100 000), Estados Unidos (529/100 000) e Rússia (690/100 000), conforme os dados de um censo penitenciário internacional de 1995. Em números absolutos, no entanto, somos uma das nações com maior número encarcerados. Não dá para ignorar a existência de um contingente tão grande de brasileiros atrás das grades.

Embora impressionante, a superpopulação é o menor dos problemas do nosso sistema prisional. Com recursos escassos, ineficiência administrativa e corrupção, as prisões brasileiras não cumprem nenhuma das funções para as quais existem. Permeáveis a fugas e rebeliões, as prisões não protegem a sociedade da sanha de seus internos, sua função primeira. As facções do crime organizado comandam, de dentro das cadeias, atividades criminosas cometidas aqui fora. Para quem não se lembra, há apenas um ano, em fevereiro de 2001, o PCC (Primeiro Comando da Capital), uma organização criminosa criada e liderada por presos, comandou – de dentro da prisão! – uma rebelião que paralisou 29 prisões no Estado de São Paulo. Um ano depois, para comemorar o aniversário do evento, a organização comandou uma série de atentados a instituições de segurança.

As prisões tampouco cuidam dos presos, cuja tutela está nas mãos do Estado enquanto durar a sentença. Em seus relatórios periódicos, a Humans Rights Watch, uma das mais respeitadas organizações internacionais de defesa dos direitos humanos, reserva suas piores críticas ao Brasil, por causa do tratamento dispensado a nossos prisioneiros, que não segue as regras mínimas da Organização das Nações Unidas (saiba o que recomenda a ONU na pág. XX).

Submetidos a superlotação, agressões e assassinatos brutais, sem assistência médica ou jurídica e abandonados à ociosidade, os presos são hoje uma população sem resquícios de cidadania. Basta lembrar o que houve em 1992, durante uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo, dentro do complexo do Carandiru, quando 111 detentos foram mortos pela Polícia Militar. O caos é tão generalizado que é difícil encontrar boas práticas implantadas e dando resultados. As soluções, em geral, estão no nível das idéias, pensadas, na maioria das vezes, por quem estuda o assunto.

Uma das principais conclusões dessa massa pensante é que o estigma dos presos precisa acabar. Hoje, a população atrás das grades recebe da maioria da sociedade tratamento semelhante ao que os leprosos tiveram no passado: a comunidade tenta confiná-los fora de sua vista e esquecer que eles existem. Para os governantes, de qualquer linha ideológica, o assunto é tabu. Se o governo acena com uma melhora no tratamento aos prisioneiros, será atacado por estar gastando com os bandidos, em vez de investir na “população honesta”.

Mas o problema de tempos em tempos bate à porta, na forma de uma rebelião ou fuga de presos. Quando isso acontece, a resposta oficial mais comum é a construção de mais prisões. Até o final do ano, por exemplo, está prevista a entrega de 73 novas unidades prisionais, 5 delas federais – uma novidade aclamada por todos. Hoje o país já conta com 479 cadeias públicas e 337 penitenciárias. Em 2001, o governo federal gastou em construção, reforma e ampliação de vagas 277,5 milhões de reais.

Gastar dinheiro em novas prisões não é um mau investimento. O país precisa delas. A população carcerária no Brasil cresceu de forma assustadora nos últimos 13 anos, algo entre 5% a 7% ao ano. Em uma década (1989 a 1999), esse contingente dobrou, mas o investimento em construção de presídios não acompanhou o crescimento. Só em São Paulo, a multidão atrás das grades cresceu de 25 000 pessoas em 1983 para 93 000 em 2001. Nesse período, foram criadas 37 300 vagas nas prisões.

A superlotação é outro mal histórico que precisa ter fim. Principalmente se se levar em conta que ainda há muitos condenados cumprindo pena em delegacias de polícia – segundo a última contabilidade, havia mais de 25 000 condenados em delegacias no país. Em São Paulo, os distritos policiais chegam a abrigar quatro prisioneiros por vaga. Carceragem de delegacia – isso é uma unanimidade entre os especialistas – não serve para cumprimento de pena. Pode parecer que prisão é tudo igual, mas a presença de presos em um distrito policial exige que policiais, em tese preparados e pagos para desvendar crimes, façam um serviço para o qual não estão treinados, que é guardar presos.

Isoladamente, porém, a construção de prisões não resolve. Só em São Paulo, Estado que concentra quase a metade da população carcerária do país (95 877 pessoas), seria preciso construir um presídio por mês para dar conta dos 800 novos presos que chegam ao sistema. Mantida a tendência atual, o Brasil dobrará sua população prisional por volta de 2017. Mas de nada adianta construir mais estabelecimentos que funcionem tão precariamente quanto os atuais. Neste momento, um raciocínio se faz necessário. No Brasil, não há prisão perpétua. Portanto, qualquer pessoa encarcerada invariavelmente sairá de lá, cedo ou tarde. Manter a atual situação, em que o preso sempre sai da prisão pior do que entrou, equivale a empurrar o problema com a barriga. É preciso agir em outras frentes concomitantemente.

O que precisa ser feito

• Tirar os presos condenados das delegacias.

• Separar presos perigosos dos demais.

• Ampliar as vagas no sistema prisional (de preferência construindo unidades pequenas e descentralizadas).

• Estimular a participação da comunidade na ressocialização.

• Implantar programas de prevenção às drogas e tratamento de dependentes dentro das prisões.

• Criar programas de acompanhamento e orientação para quem sai da cadeia.

• Intensificar a aplicação das penas alternativas, como multas e trabalhos comunitários.

• Oferecer acompanhamento jurídico dos processos dos condenados.

• Manter os condenados presos no seu local de origem ou criar um serviço que auxilie as famílias a visitá-los.e a manter contato com eles.

• Aumentar o número de vagas no regime semi-aberto.

• Aumentar a oferta de trabalho e educação ao prisioneiro.

Mantenha o respeito

Direitos mínimos dos presos, segundo a ONU

• Pelo menos uma hora diária de atividade ao ar livre.

• Programas de ressocialização.

• Ser bem alimentado, ter atendimento médico e receber roupas de cama e objetos de higiene pessoal.

• Entrevistas com o diretor do presídio e com seu advogado.

• Ser mantido em instituição adequada, levando em conta o sexo, a idade (adolescentes e adultos), as passagens criminais, a razão legal da sua detenção e as necessidades de treinamento (a individualização da pena implica a individualização do tratamento).

• Prisioneiros não julgados devem ser mantidos separados dos condenados.

• Cela individual com espaço mínimo de 6 metros quadrados (neste item a ONU admite situações especiais, durante superlotações temporárias, em que é permitido haver dois prisioneiros por cela).

• Ter sua integridade física preservada enquanto estiver sob custódia do Estado.

Como você pode ajudar

• Oferecendo vagas de trabalho para prisioneiros do regime semi-aberto ou aberto ou gente que já cumpriu sua pena. Para ter informações sobre o funcionário, procure as organizações que atuam na cadeia de onde veio o preso.

• Fazendo trabalho voluntário dentro das prisões (programas educacionais, culturais, de saúde, de prevenção às drogas, de lazer etc.).

• Cobrando das autoridades o cumprimento da Lei de Execuções Penais e das regras mínimas estabelecidas pela ONU.

Fonte: Renata Valdejão, Revista Super Interessante, Link: http://super.abril.com.br/historia/prisoes/

 

 

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni é Advogado criminalista desde 1991, fundador do escritório Parentoni Advogados. Pós-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, especialista em Direito Penal e Processual Penal. Presidente por duas gestões do IBRADD - Instituto Brasileiro do Direito de Defesa. É professor, autor de livros jurídicos e profere palestras pelo país.